11 de julho de 2025
Nos últimos anos, Cuba tem registrado um crescimento significativo do número de cristãos evangélicos, especialmente entre os jovens. Essa expansão ocorre apesar das históricas restrições à liberdade religiosa no país, que há décadas mantém raízes no marxismo-leninismo.
Na Plaza del Cristo, em Havana, a cena de jovens evangélicos reunidos em oração se tornou cada vez mais comum. Com os braços erguidos, pedem publicamente bênçãos de Jesus, gesto que há poucos anos seria incomum na ilha. O local, marcado por um mural com a imagem de Che Guevara, resume o contraste entre a herança revolucionária e a renovação espiritual vivida por muitos cubanos.
Segundo Pedro Alvarez Sifontes, mestre em Estudos Sociais e Filosóficos da Religião pela Universidade de Havana, o fenômeno se intensificou nos últimos cinco anos: “Sem dúvida temos visto um aumento [dos evangélicos em Cuba] nos últimos cinco anos”, afirmou Sifontes, que também é pesquisador assistente no Centro de Pesquisa Psicológica e Sociológica.
Fé em meio à crise econômica e sanitária
De acordo com a reportagem da BBC News Brasil, fatores como a pandemia da Covid-19 e o agravamento da crise econômica contribuíram para essa aproximação com a fé. Muitos cubanos, especialmente jovens, passaram a frequentar igrejas evangélicas em busca de respostas e consolo.
O teólogo Eliecer Portal, evangélico batista e guia turístico, explicou: “Depois da pandemia, a crise levou muito mais pessoas a se aproximarem da fé e das igrejas”. Para ele, momentos de instabilidade têm levado à redescoberta da espiritualidade. “Momentos de crise chamam as pessoas à fé, principalmente quando sentem que suas vidas estão em jogo”.
A escassez de alimentos, o apagão energético e a inflação têm afetado o cotidiano da população. Segundo o governo cubano, a crise atual é a pior desde o chamado “Período Especial”, iniciado nos anos 1990 após o colapso da União Soviética.
Um país de herança religiosa plural
Apesar de sua história recente como Estado ateu, Cuba possui uma rica tradição religiosa. A colonização espanhola legou ao país centenas de paróquias, enquanto religiões de matriz africana, trazidas por povos escravizados, também moldaram profundamente a espiritualidade cubana, de acordo com a BBC.
Esse mosaico religioso, no entanto, foi desestimulado após a Revolução de 1959. Liderada por Fidel Castro, Che Guevara e Camilo Cienfuegos, a revolução inaugurou uma nova ordem estatal alinhada ao marxismo soviético. A partir de então, o Estado cubano passou a promover uma cultura ateísta, especialmente por meio da educação.
A imposição do ateísmo
A Constituição de 1976 definiu Cuba como um Estado laico, mas fundamentado em uma “concepção materialista científica do Universo”. Embora tenha declarado formalmente a liberdade religiosa, também estabeleceu diretrizes educacionais baseadas no marxismo-leninismo.
Segundo Pedro Sifontes, o conteúdo das escolas reforçava o ateísmo. “Por exemplo, no ensino superior, foi criada uma disciplina chamada Comunismo Científico. Essa disciplina recriou tudo o que era ateísmo científico e promulgou um positivismo neomarxista”, explicou.
Além disso, havia restrições práticas à vivência religiosa. Cristãos não podiam cursar certas carreiras, como jornalismo, e estavam excluídos de cargos de liderança política. “Para ser membro do Partido Comunista da Juventude, você também tinha que declarar sua posição ateia. Se não, você não era admitido”, disse Sifontes.
Perseverança na fé
Mesmo diante dessas restrições, a fé continuou a ser cultivada, muitas vezes de forma discreta. Pequenas comunidades religiosas mantinham cultos em casas ou igrejas menos visíveis. A religiosidade, enraizada na cultura popular, sobreviveu como parte do cotidiano, mesmo quando afastada do espaço público.
Essa resistência silenciosa agora se reflete em manifestações visíveis e crescentes nas ruas e praças de Havana. As novas gerações têm se mostrado mais dispostas a viver a fé abertamente, mesmo diante das dificuldades.
Reconhecimento e abertura recente
A Constituição cubana mais recente, aprovada em 24 de fevereiro de 2019 por referendo, reafirma a liberdade religiosa como direito garantido a todos os cidadãos, independentemente da crença. A nova carta magna não repete as menções à “concepção científica materialista do Universo”, o que, segundo observadores, representa uma mudança relevante.
Ainda assim, organizações internacionais apontam que a liberdade religiosa em Cuba segue sob monitoramento. Segundo relatórios de entidades como a organização Christian Solidarity Worldwide (CSW), pastores e líderes evangélicos em algumas regiões relatam vigilância, intimidação e limitações ao acesso a espaços públicos.
Em 2022, o Departamento de Estado dos Estados Unidos incluiu Cuba em uma lista de observação especial por violações à liberdade religiosa. A Comissão dos Estados Unidos para Liberdade Religiosa Internacional (USCIRF) também vem monitorando a situação de igrejas protestantes independentes na ilha.
Panorama atual
Apesar das dificuldades, o ambiente para manifestações religiosas tem apresentado sinais de abertura. O número de cultos, batismos públicos e encontros evangelísticos aumentou nos últimos anos. Pastores de diferentes denominações relatam maior presença de jovens e famílias em busca de apoio espiritual.
Embora o governo cubano ainda exerça controle sobre organizações religiosas formalmente registradas, o fenômeno de crescimento espontâneo das igrejas evangélicas ocorre de maneira descentralizada. Não há dados oficiais atualizados, mas pesquisadores e líderes apontam que o número de evangélicos no país já supera um milhão de pessoas.
Em meio a um cenário econômico incerto, muitos encontram nas orações e nas Escrituras um refúgio. Como afirmou um dos jovens entrevistados pela reportagem: “A fé é o que nos resta quando tudo o mais parece falhar”.
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